Trilha sonora

sábado, 6 de julho de 2013

DARK POLICIAL: A Herança da Guerra

DARK POLICIAL: A Herança da Guerra: Policiais civis do Rio de Janeiro investigam sete estupros que resultaram nas gravidezes das vítimas. A enigmática delegada Sandra Couto ...

terça-feira, 23 de outubro de 2012

O REVERSO DO DESTINO


(Jéssica Lutz - uma criança desaparecida...)


CAPÍTULO 3

             No seu primeiro dia de folga, Laura foi ao encontro de Leo, mas disse a Sandra que iria visitar parentes no fim de semana. Os namorados se encontraram no quarto de pensão onde ela morara até começar a trabalhar na casa dos Lutz. A pensão ficava situada em um beco horroroso no bairro da Cidade Nova, Centro do Rio; era preferência de prostitutas e outros tipos infames. Laura preferiu manter o aluguel do quarto, pois somente ali poderia se encontrar com Leo, já que este morava com os pais e não gostava de pagar motéis. Dizia que não gostava desses tipos de lugares para encontros, mas não a convencia. No fundo, Laura sabia que ele não gostava de ter despesas com mulheres; um projeto de gigolô. Porém, ela não insistia; desde que tivessem um local onde pudessem transar, para ela, estava ótimo. Laura nunca se apaixonara por ninguém, não se importava com o lugar, mas sim com o quem e com o quê. E ele era bom no que fazia. Não era excelência, mas dava conta do recado.
            Ela agora estava livre daquelas roupas comportadas que vestia para agradar os patrões. Trajava uma blusa preta decotada com calças compridas e justas da mesma cor, quando foi abrir a porta para Leo. Laura bebia cerveja no gargalo e ficou em pé, parada sob o batente da porta, olhando para o rapaz de cabelos lisos e castanhos claros que ali estava. Ambos ficaram se estudando por alguns instantes, quando ela começou a lamber de forma lasciva o gargalo. Seu olhar fervia e ele sentia a vibração da amante. Laura era muito fogosa, sedutora... e experiente. Leo costumava dizer que a namorada era um verdadeiro animal copulando... Ela não tinha inibições e poderia, sem exageros, fazer corar um profissional do sexo.
            – E aí? – ela perguntou, lambendo mais a garrafa. – Não vai entrar?
            Ele a empurrou violentamente para dentro do quarto, em direção à cama, e atirou-se sobre Laura; ela abria as pernas e ria alto.
            – Agora...ele murmurou, muito excitado, abrindo o zíper de suas calças e tateando a parceira. – Sua puta... está sem calcinhas, não é?
            – Putas não usam calcinhas, elas atrapalham – disse e gargalhou.
            Então, em meio a bofetadas, arranhões e puxões de cabelos, eles fizeram sexo e sequer se lembraram de trancar a porta.

***

            Na folga da babá, Marcelinho ficava na companhia de uma acompanhante de fim de semana. E Sandra parecia não estar se divertindo tanto quanto Laura. Pelo contrário, jantava em um restaurante elegante no bairro de Ipanema, ao lado do esposo e de um casal de amigos, porém seus pensamentos vagavam. A conversa com o policial Douglas vinha à sua mente durante todo o tempo. Mal tocava na comida, que já gelava no prato, o que chamou a atenção dos amigos. Pretendendo disfarçar seu humor depressivo, o que não lhe era comum, Sandra pediu licença para ir ao toillette, sendo acompanhada pela inconveniente Margareth. Esta era a esposa de Raul, sócio de Werner, e era uma mulher ridiculamente efusiva, fofoqueira e fútil. Muito mais do que ela própria que não teve como impedir que a outra mulher a seguisse.
            Sandra estava muito bem maquiada, mas dava pra perceber seu abatimento, já que as olheiras insistiam em aparecer. Alheia a tudo isto, Margareth iniciava o que mais parecia ser um monólogo, enquanto a amiga, sorrindo discretamente, entrava em uma das divisórias do banheiro. Só queria pensar, respirar fundo e nem mesmo o tom de voz monótono de Margareth a impediu:
            – Querida, eu te falei da última reunião na casa da minha irmã? Deixa eu te contar quem apareceu por lá, você não vai acreditar...
            E a esposa de Werner começava a ouvir novamente a voz grave do inspetor de polícia que a recebera logo após sua sessão se ginástica, no primeiro dia de trabalho da nova babá:
            – Eu estou estudando o caso agora, não fui eu quem começou as investigações, mas...
            Pelo tempo que passou, será que a Jéssica ainda está viva? – ela o interrompeu, estava visivelmente tensa.
            Douglas manteve uma expressão preocupada; Sandra percebeu.
            Nada é impossível, mas é estranho que não tenham feito contato, nem pedido qualquer resgate.
            Na verdade, eles fizeram, sim.Ela abaixou a cabeça, encarando o policial em seguida.
            E por que vocês nunca contaram nada à polícia?
            Uma única vez...seus olhos se enchiam de lágrimas. – Foi para o meu telefone celular. Só que nunca mais entraram em contato. Disseram que se contasse a alguém, até mesmo para o meu marido, matariam a minha filha.
            E nem depois de tanto tempo, mesmo depois deles sumirem, a senhora procurou ajuda policial? Por quê?
            Eu fiquei apavorada! E pra ser sincera, como nunca mais fizeram contato... – A hesitação em continuar a explicação revelava terror. – Eu passei a não ter mais esperanças.
            E agora? Voltou a ter? – Douglas permanecia impassível, procurando reações suspeitas naquela mulher, embora lhe parecesse que ela realmente sofria.
            Não...
            A expressão de Sandra era séria.
            Então, por que está me contando isso agora?
            Porque tenho uma desconfiança. – Desolada, sacudia a cabeça e parecia confusa. – Eu recebi o telefonema na época e anotei o número. Depois que passei muito tempo crendo no pior, pedi a um amigo que checasse o número daquele telefone e ele me disse que a ligação partiu de um telefone público, da cidade de Recife.
            E qual seria a sua desconfiança?
            Na época do sequestro da Jéssica, o meu cunhado estava em Olinda, vagabundeando pra variar. – Referia-se ao irmão de Werner.
            O policial abriu mais os olhos, mas deixou-a prosseguir.
            – O Paulo sempre foi estranho, há anos usava drogas, nunca teve compromisso com ninguém, nem responsabilidades, enfim... é uma ovelha negra na família.
            Mas qual motivo ele teria pra sequestrar a própria sobrinha? Pelo pouco que sei, ele também tem boa situação financeira, ou estou enganado?
            Sandra parecia surpresa com o conhecimento do policial.
            Sim, ele tem dinheiro, mas o motivo seria outro – ela engolia seco e demonstrava ódio ao falar.
            Qual? – Douglas estava sentado agora com as pernas cruzadas, meio de lado e atrás da mesa, virando uma caneta esferográfica entre os dedos, porém atento.
            Antes de eu me envolver com o Werner, eu namorei o Paulo. Não era nada sério, nós saímos poucas vezes, mas ele ficou obcecado por mim. Depois que soube que eu estava grávida do Werner, enlouqueceu e prometeu se vingar. Não aceitou que eu o trocasse pelo irmão, muito menos que estivesse grávida do mesmo.
            E a sua prima? A primeira esposa do seu atual esposo?
            Ele gostava de jogar com as palavras.
            O que tem ela?
            Ela não teria motivos para querer que a menina sumisse?
            Talvez... Eu cheguei a acreditar nisso... Mas acho que ela não seria capaz... – Sandra percebia o olhar repressor do policial, sabia que não era bem vista por ter traído a prima.
            Ela também não imaginava que alguém de seu próprio sangue a traísse dentro de sua própria casa – Douglas disse e a mulher empalideceu. – Ela demonstrou estar muito ressentida quando prestou depoimento, segundo me informaram aqui na delegacia. E pouco tempo depois se matou.
            Eu sei que eu errei. Mas eu me apaixonei, oras!Orgulhosa, ela empinava o nariz.
            Ele ergueu as sobrancelhas, mas continuou calado.
            E o Werner não gostava mais da Marília – concluiu.
            Será que ela pensou dessa forma? Por que teria se matado, então? Remorsos? Teria se vingado na menina?
            Talvez, não sei. Mas não descarto o Paulo... – Cruzou os braços com impaciência.
            Eu não disse que descartava. Aliás, eu não descarto ninguém. Agora, quanto ao fato de sua prima ter cometido suicídio... será que não a envenenaram?
            Pelo que eu sei, não encontraram impressões digitais no vidro de veneno.Havia chegado aonde ele queria.
            Exato. Nenhuma impressão digital, nem mesmo a dela. O vidro estava limpinho.
            Logo?...
            A postura de Sandra agora era indiferente.
            – Por que motivos um suicida se preocuparia em apagar as próprias digitais? – Douglas questionou, encarando a esposa de Werner, que ficou boquiaberta e permaneceu sem resposta.
            Sandra foi despertada dessas lembranças pela voz de Margareth, impaciente com sua demora. Ela então saiu sorrindo da divisória do banheiro e limitou-se a responder um: Vamos, querida.

***

            No domingo à noite, Laura e Leo foram à Lapa, terra da boemia carioca e local atualmente frequentado por todos os tipos de pessoas, inclusive adolescentes. A diversidade de opções, especialmente bares, torna o local atrativo. Em um ambiente ao ar livre, muitas pessoas, geralmente acompanhadas por amigos, divertem-se ou procuram por prováveis relacionamentos afetivos ou sexuais, ocasionais ou mais sólidos.
            Leo escolheu um bar onde já estava acostumado a ir com Laura e eles começaram a conversar sobre o furto que ele intencionava concretizar com a ajuda da namorada.
            – Como foram esses três dias lá? – Ele mascava um chiclete, mas estava apreensivo.
            – Bem, acho que estão gostando de mim. O garoto está, com certeza.
            – Não sabia que você tinha jeito com crianças – zombou.
            – Nem eu – deu de ombros –, sorte a nossa, não é?
            – E a patroa?
            – Perua até o cu! disse com desprezo. – Eu pensei que ela fosse a mãe do garoto, mas ela é tia. Quer dizer, é prima. Pasme: o marido dela foi casado com a sua falecida prima e esta sim era a mãe do menino.
            Leo olhava sério para a mesa e questionou:
            – E como você soube disso?
            – O menino me contou.
            Ela bebia uma cerveja gelada e lambia os lábios, que ainda estavam coloridos com o batom vermelho.
            – Você está conversando com ele?
            – Claro, ué! Eu sou a babá dele – respondeu com firmeza e, em seguida, perguntou com certa malícia no olhar.
            – Por quê? Por acaso, eu não deveria conversar com ele?
            Sei lá, é que ele já saiu te contando essas coisas... O moleque parece ser linguarudo, hein!?
            – Não. É que ele não tem com quem conversar.
            Laura se lembrava de sua infância, que também fora bastante solitária, fato este ignorado por Leo. Aliás, o namorado só sabia de fatos selecionados de sua vida. Jamais entregava toda sua história a quem quer que fosse. Não gostava de se revelar completamente, porque isso poderia deixá-la nas mãos de qualquer um. O segredo sobre certas coisas é primordial, um grande amigo havia lhe ensinado. Se alguém quer manter algo em segredo, deve dividi-lo apenas consigo mesmo, esta foi a lição que aprendera. Para ela, não existiam confidentes, pois estes sempre seriam delatores em potencial.
            Aliás, querido... – Seu olhar tornou-se pesado – por que você não me contou que o garoto é órfão de mãe? – Ela tomava mais um gole da cerveja, sem desviar os olhos.
            Por que eu deveria saber? – Leo se ajeitava na cadeira, desviando o olhar.
            Porque o motorista que saiu de lá era amigo do seu pai. Se ele contou sobre uma fortuna na casa, se você pediu para eu me empregar lá e encontrar as joias com base no que ele contou, é óbvio que ele teria passado informações sobre a família. Porra! – Laura bateu com a tulipa na mesa, demonstrando irritação.
            Ah, eu me esqueci – Leo não a convencia. – Desculpa.
            Cuidado, gato...
            Laura se recostou na cadeira, encarando o namorado e deixando-o desconfortável.
            – Eu não gosto que me enganem e muito menos que me usem!
            Que paranoia, mulher! – retrucou, elevando o tom da voz, mas ela não se abalou e simplesmente sorriu. Estava incomodada com a atitude dele.
            O aviso foi dado, gatinho...
            – E aí, a cobertura é muito grande? – Ele queria sair pela tangente e ela resolveu deixar o assunto morrer; pelo menos naquele momento.
            – Imensa!Agora falava com prazer. – Ai, eu me perco ali dentro! – Ela jogava a cabeça para trás num gesto de êxtase e quando voltou à posição normal, olhou para o lado direito e viu um homem de cabelos compridos, ondulados e escuros, observando-a. Estava com um grupo de motoqueiros e usava roupas pretas de couro; parecia ter uns quarenta anos no máximo e tinha um aspecto meio latino, até mesmo zíngaro. Assemelhava-se fisicamente a algum artista famoso, mas Laura não conseguia se lembrar de qual, e isto a instigou a olhar mais em sua direção.
            – Já começou a procurar o cofre? – Leo perguntou e Laura disfarçava para que ele não visse o homem charmoso paquerando-a.
            – Sim, mas vamos ter que manter a paciência. Tem uma governanta lá que é carne de pescoço”. A vaca vive me vigiando.
            Olhou novamente para o lado e o homem continuava com os olhos fixos nela, enquanto conversava com outros motoqueiros. Tinha um sorriso bastante sedutor e ela, por sua vez, estava provocante e tinha consciência disto. Nem parecia a recatada e doce babá. Aliás, não era nada daquilo mesmo, nunca fora. Depois de ter transado com Leo, tomara um banho e mudara de roupas; trajava agora um vestido preto não muito curto, mas justo e sexy e que favorecia seu corpo bem feito. Os cabelos estavam soltos; parecia uma pantera. E aquele homem parecia gostar do tipo de mulher que ela retratava.
            – O que foi? – Leo percebeu que ela estava distante.
            – Nada, por quê?
            – Você está meio distraída – disse ele e viu o imponente motoqueiro olhando para sua namorada. Esta ficou preocupada, pois tudo lhe dava motivo para arrumar brigas.
            – Ah, sua vadia... já tá caçando macho, né? Na minha cara?
            – Se você começar com a palhaçada de sempre, eu te largo aqui sozinho.Ela olhou furiosa para ele, mas disfarçava com um sorriso, pois o belo homem continuava a observá-la.
            – E se aquele babaca continuar a te olhar, eu vou partir pra cima dele! – Leo segurava com força a mão de Laura sobre a mesa.
            – Você já viu com quantos amigos ele está?
            Leo olhou ao redor e sentiu que não era a hora de arrumar encrenca.
            – Quer levar uma surra, é? – Laura falava quase rangendo os dentes.
            – Vamos embora daqui.
            Leo olhou para o outro homem que o desafiava cinicamente com o olhar e parecia não se incomodar com o seu comportamento agressivo. Pagou ao garçom e puxou a moça pelo braço, pois queria sair logo dali. Ele sabia que estava em desvantagem e detestava ter de admiti-lo.
            Após se afastarem do ambiente, ambos circularam bastante, encontraram alguns conhecidos e voltaram para o quartinho de Laura, esbarrando em alguns bêbados inofensivos sentados na entrada da pensão decadente. Ela bebera razoavelmente, a imagem daquele homem não saía de sua cabeça e não sabia por quê. Ele parecia ter dinheiro, pelo seu porte, pelas roupas e acessórios que usava. Seu grupo de amigos também. Percebia-se que eram pessoas de boa situação financeira. Contudo, seu jeito era meio selvagem. Aquele homem era diferente do namorado que era um rebelde sem causa, como a própria mãe dizia. Leo era um marginalzinho, esta era a verdade. Já aquele homem, tinha algo a mais.
            Laura olhou para o namorado, este já menos irritado, e puxou-o até o quarto. Ele queria ir embora, tinha umas coisas para resolver, mas ela não quis saber. A única coisa que ele tinha para resolver naquele momento era fazê-la se esquecer daquele sedutor incomum que a devorava com os olhos horas antes. E que, infelizmente, não veria mais.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O REVERSO DO DESTINO

(Personagem Laura - Vilã, boa moça? Quem ela é?)


CAPÍTULO 2
  
            Na manhã seguinte, Laura iniciou seu primeiro dia de trabalho na residência dos Lutz. Estava pronta para executar o que lhe fora designado e não poderia falhar. Para começar, precisava conhecer toda a casa, cada recanto. Segundo Leo, a família possuía muitas joias de valores inestimados, a maior parte delas guardadas em um cofre. E onde existem cofres, além de joias e dinheiro, podem existir segredos. O que ele não pôde informar à namorada era onde ficava camuflado o tal cofre, pois o último motorista que trabalhou para Sandra, um velho amigo de seu pai, não conseguiu descobrir a exata localização.
            Leonardo já a namorava há um ano e o casal se conheceu nas noites da Lapa. Ele era um jovem malandro que havia completado vinte e cinco anos e vivia à custa dos pais, um casal de classe média alta da zona sul carioca. Nenhum dos genitores sabia dizer não ao complicado e rebelde filho. Leo era um barril de problemas para a família, não tinha um bom prognóstico pela frente e Laura parecia não se preocupar muito com isto, talvez por não ter um passado tão puro também. Ele sabia que a namorada queria muito o dinheiro o qual pretendia arrecadar com aquele furto. Além disto, ela era uma peça fundamental, pois sabia como descobrir o segredo do cofre. A moça tinha seus talentos e dentre estes, arrombar cofres, descobrir segredos, violar senhas e até mesmo invadir o mundo virtual.
            Sua tarefa principal agora, conforme orientação do namorado, seria descobrir a localização do cofre para depois colocarem o plano em ação. Sabia que levaria um tempo considerável, pois a cobertura era enorme. Teria que ter paciência e ganhar a confiança de todos ali, não só da família, mas também dos empregados. E estes, às vezes, podiam ser mais perigosos do que os próprios patrões. Laura tinha ciência de que, em algumas casas, os empregados tentavam prejudicar uns aos outros por motivos diversos: ciúmes, inveja, proteção e fidelidade aos patrões... E ela sentia que deveria começar por Vera, a governanta. Esta, que a recebeu novamente do mesmo jeito seco e frio, o que talvez não fosse um bom sinal; ou então, a mulher deveria ser assim mesmo, amarga. Porém, a babá novata não poderia correr riscos. Vera era o seu primeiro desafio e iria vencê-lo. E caso não conseguisse, daria um jeito de tirá-la do seu caminho. Leo tinha seus propósitos e sua cúmplice, a seu turno, tinha os dela e não estava se infiltrando ali para brincadeiras.
            Sandra a recebeu amavelmente, como da primeira vez, e mostrou-lhe seus aposentos de babá, que a agradaram. Para uma empregada, eram bem confortáveis. Poder-se-ia dizer que era quase um quarto de boneca. A patroa, nesta ocasião, vestia roupas de ginástica; ia todos os dias a uma academia não muito longe de casa e só retornava na hora do almoço. Marcelinho estudava de manhã e uma de suas incumbências, seria levar o garoto e pegá-lo na escola, tão logo as férias do meio do ano terminassem.
            – Bem, Laura, eu preciso que você acompanhe o Marcelinho, pois apesar do motorista poder levá-lo sozinho, acho melhor ele ter uma companhia, alguém para conversar. Uma presença feminina, mais maternal, sabe.
            – Pode deixar, ele não se atrasará. E nos daremos bem.
            A moça achava que sua patroa era um tanto distante do menino, pois agia como se fosse uma estranha e nunca o chamava de filho. Era sempre “Marcelinho pra cá, “Marcelinho pra lá.
            – Qualquer dúvida, você pode pedir ajuda à Vera. Ela parece durona, mas é um doce, você vai ver... Sandra deu uma tapinha de leve no rosto de Laura, como se fossem amigas íntimas.
            – E depois que ele voltar da escola?
            – Às terças e às quintas-feiras, ele frequenta um curso de informática no horário da tarde, mas nos outros dias fica livre para sair e brincar com os colegas.
            Sandra se ajeitava em frente a um espelho grande e oval que ficava em uma das paredes da sala principal. Ela parecia estar com pressa em sair.
            E durante esse período de férias, o que ele fará na parte da manhã?
            Ah... – A outra mulher parecia não ter pensado a respeito. – Ele pode ir à praia, à piscina, enfim... É só você me avisar antes, afinal de contas, férias são férias, não é mesmo? – disse e piscou o olho, saindo apressada em direção à porta principal.
            Depois que Sandra saiu de casa, Laura foi até seu quarto guardar suas roupas e outros objetos pessoais. Não levou tanta coisa, pois quando fosse embora dali, teria que levar o mínimo consigo. Talvez quase nada. O que trazia era essencial e suficiente. Enquanto ela verificava seu armário de roupas, Marcelinho entrou no quarto e a babá não percebeu de início sua presença, tomando um grande susto quando se virou e o viu ali parado, com o olhar fixo em sua nova guardiã:
            – Que susto! – Laura chegou a levar a mão ao peito, mas riu em seguida.
            O garoto abaixou a cabeça, sem jeito.
            – Desculpe, foi sem querer.
            Refeita do susto, preferiu deixá-lo mais à vontade; precisava fazer amizade com o menino, senão poderia perder o emprego antes de conseguir o que queria.
            – Ah, está tudo bem. Eu é que ando assustada à toa.De repente, lembrou-se da recomendação de somente falar com ele em Inglês.
            I´m sorry, but we can´t talk in Portuguese.
            Ele olhou assustado ao ouvi-la dizer que não poderiam conversar em Português. Não que o garoto tivesse entendido, pois não entendera. Apenas achou muito estranho aquele jeito de a babá falar.
            – O que você disse? – questionou, com as longas pestanas tremendo.
            Laura agora é quem estava sem entender, pois Sandra lhe dissera que o menino tinha umas poucas noções daquele idioma, mas ele não entendeu uma frase básica. Embora estivesse ali com objetivos bem diferentes do que os patrões poderiam imaginar, sua formação em Inglês não era mentira. Percebia que o menino não entendera uma palavra. Então, insistiu para confirmar se estava certa:
            Talk in English, please – gesticulou em direção à boca para que ele entendesse que deveria falar somente em Inglês. Mas, Marcelinho parecia não entender nada mesmo. Tanto que lhe deu as costas e saiu do quarto, sem dizer mais nada.
            – Que merda!
            Ela praguejou baixinho e continuou arrumando suas coisas, pensando em como resolveria aquele primeiro impasse. Teria que enganar Sandra, o que não lhe parecia ser muito difícil, pois Marcelinho havia gostado de sua nova babá. Ela não poderia perder a confiança do garoto.
            Como Laura não era de demorar em suas decisões e ações, arrumou-se e foi até o quarto do menino, que estava quieto e jogando videogame, para variar. Parece até um autista, pensou, quase achando graça de sua comparação maldosa:
            – Posso falar com você?
            Fechou a porta e se aproximou dele, que a encarou curioso.
            – Pode. Desse jeito você pode.
            Ela riu e fez um gesto com o dedo indicador, pedindo para que falasse baixo. Laura pressentia que, pelo fato de ser nova na casa, alguém poderia estar ouvindo atrás da porta. Seria o que ela faria, no lugar dos moradores ou empregados mais antigos.
            – Eu estou aqui por sua causa, Marcelinho, você sabe.
            Ele balançou a cabeça afirmativamente e ela continuou:
            – Então... sua mãe me pediu que eu te ensinasse a falar em Inglês, porque ela acha que a melhor maneira de se aprender outro idioma é praticando, entendeu?
            Ele franziu as sobrancelhas e parecia confuso.
            – Minha mãe?
            – Sim, a Sandra – respondeu displicentemente.
            Ele se levantou da poltrona que ficava em frente ao videogame e foi até a janela do seu amplo quarto. Marcelinho estava pensativo e triste.
            – Ela não é minha mãe.
            O garoto a encarou sem piscar. Laura não esperava aquela resposta.
            – Não? Mas... então, o que ela é sua?
            – Nada – disse e olhou sério nos olhos da babá. – Minha mãe morreu.

***

            Sandra estava se exercitando em uma esteira da academia, simulando uma caminhada rápida, quando seu telefone celular tocou. Era Vera.
            – Fala, Vera.Estava ofegante, mas não parou o exercício. – Ah é?... humm, sei... falando em Português? – Fez um semblante contrariado. – E o que mais você ouviu? Tá bom, tá bom... só isso? Continue de olho, OK? Tchau – despediu-se com a voz vacilante.
            Ela prendeu o aparelho na cintura novamente, mas não demorou nem um minuto e recebeu outra ligação, desta vez de um número restrito. Seu sorriso indicava que sabia de quem se tratava:
            – E aí, meu amor? – perguntou, derretendo-se ao ouvir a voz masculina de seu interlocutor. – Estou com saudades, sim, eu quero te ver logo. Ah, precisamos conversar, sim, muito mesmo. – Falava quase gemendo, sentia tesão ao ouvir aquela voz. – Então tá, deixa eu acabar aqui, porque não posso fazer isto e falar ao mesmo tempo – ria de um jeito dengoso.
            – Eu sou sua... – disse gemendo e desligou em seguida, voltando a se concentrar na esteira.
            Quando terminou seu horário, despediu-se de alguns amigos, que estavam nos aparelhos de musculação, com um rápido aceno. Pegou seu carro no estacionamento da academia, mas não foi direto para casa. Tinha que passar antes em outro lugar para resolver um assunto muito importante.
            Seu trajeto não foi longo, pois não sairia da Barra da Tijuca. Estacionou em frente à Delegacia de Polícia Especializada em Homicídios e entrou no local, apresentando-se no balcão de atendimento. Foi atendida por uma mulher que não era policial, pois nas conhecidas delegacias legais do Rio de Janeiro, os responsáveis pelo atendimento prévio ao público são profissionais e estagiários de áreas como Psicologia, Assistência social etc. A técnica perguntou o que Sandra desejava e ela respondeu tranquilamente:
            – Preciso falar com o inspetor Douglas, ele está?
            – Está sim, aguarde só um minuto que eu vou chamá-lo.
            A técnica já saía para chamar o policial, quando voltou e lhe fez uma nova pergunta:
            – É sobre alguma ocorrência, senhora?
            Sandra sorriu discretamente e apoiou os braços sobre o balcão, respondendo:
            – Diga a ele que é sobre o desaparecimento da menina Jéssica Lutz, por favor.
            O olhar da efusiva mulher, que Laura analisara no dia anterior como tranquilo, agora estava sombrio.

***
           
            – Sua mãe morreu? – Laura não entendia aquilo. Entrou naquela casa, pensando que Sandra fosse a mãe de Marcelo, embora a mesma nunca tivesse se apresentado como tal. Só agora ela refletia a respeito.
            – A Sandra é minha madrasta. Minha mãe era prima dela.
            – Oh, me desculpe, eu não sabia.
            Na verdade, ela não se emocionava tão facilmente, só estava curiosa. Os olhos do garoto estavam úmidos, mas ele se esforçava para disfarçar.
            – Mas e o Sr. Werner? – continuou.
            – Ele é meu pai... era casado com a minha mãe.
            Laura tentava montar um histórico familiar sem fulminar a criança de perguntas. A paciência, em certos momentos, era uma virtude nela, normalmente uma pessoa esbaforida e impulsiva demais.
            – Ah, é?
            De repente alguém bateu na porta, fazendo a babá repetir o sinal com o dedo para que o garoto ficasse quieto. Ele entendeu e obedeceu.
            – Sim? – Ela respondeu à chamada.
            – Sou eu, Vera. Está tudo bem? – A governanta falava do lado de fora, no corredor. Laura abriu a porta e sorriu para a mulher desconfiada.
            – Oi, Vera. Eu estava tentando fazer o Marcelinho me dizer algo em Inglês, mas está difícil... ele deve estar tímido – disse e virou a cabeça na direção do menino, que começava a desligar o videogame sem se importar com a presença da severa mulher no quarto.
            A governanta olhou para o garoto, que mantinha seu olhar calmo e distante de sempre, e para Laura. Esta com seu sorriso simpático e ao mesmo tempo cínico.
            – É? Continue tentando, então. A dona Sandra quer muito que ele aprenda logo e ela ficaria muito aborrecida se soubesse que você não conseguiu.
            Laura gelou, sentia aquilo como uma ameaça e esboçou outro sorriso.
            – Pode deixar, eu insistirei. É assim mesmo, hoje é o primeiro dia.
            Vera saiu do quarto sem dizer mais nada e Laura fez uma careta pelas suas costas, dizendo baixinho:
            – Bruxa.
            – Eu também acho. – Marcelinho estava rindo agora.
            – Acha o quê?
            Não acreditava que ele tivesse ouvido, já que ela praticamente sussurrou o insulto.
            – Que a dona Vera é uma bruxa.Ele colocava as mãos pequenas sobre os lábios, tentando abafar o riso.
            Laura tentou se manter séria, mas também riu. Em seguida, procurou se mostrar mais adulta e responsável.
            – Olha só, eu não deveria ter dito aquilo, OK? Não repete, não, tá bom? – O sotaque carioca arrastado, em nada combinava com a sua falsa postura de babá.
            – Tá bom!Ele ria com vontade e parecia que não se divertia muito ultimamente. – Eu acho você legal.
            – Acha?
            Ela se sentiu desconfortável com aquilo, estava ali com objetivos escusos e o garoto a achava “legal”.
            – Você é engraçada. Eu quero que você fique aqui.
            – Então temos que combinar uma coisa... – esta era a deixa de que precisava. Já havia conquistado a criança.
            – O quê?
            – Se a Sandra descobrir que não estou falando em Inglês com você, ela me despede.
            Marcelinho ficou desanimado.
            – Mas eu não sei falar em Inglês. Na escola eu estudo só Francês.
            Laura piscou o olho para ele e explicou:
            – Calma, eu posso te ensinar. Eu vou te explicar direitinho, em Português, mas quando as outras pessoas da casa estiverem por perto, você fala em Inglês o que já tiver aprendido, entendeu?
            Ele se entusiasmou com a ideia, pois o fato de fazer algo proibido e mantê-lo em segredo excitava-o.
            – Você vai aprender, a Sandra vai gostar e eu não vou ser mandada embora. E o melhor: vamos poder conversar sempre. – Laura sorria malandramente.
            – Legal!
            – Mas temos que conversar assim, como agora: baixinho. Ninguém pode saber, senão...
            – Eu sei, a bruxa fica ouvindo atrás das portas – sussurrou.
            – Fica mesmo, já deu pra perceber, né? Combinado, então?
            O pequeno cúmplice acenou afirmativamente com a cabeça.
            – Então bate aqui – Laura falou em um tom animado e estendeu a palma da mão para ele, que entendeu o gesto de cumplicidade e bateu, selando o pacto com sua nova babá.
            Pode deixar, Laura, que eu sei guardar segredos! disse, com os olhos brilhando.


***

            Já de noite, após todos jantarem, Laura foi para o seu quarto. Marcelinho adquirira o hábito de dormir cedo para conseguir acordar para a escola no dia seguinte. Mesmo estando de férias não conseguia mais acordar tarde. Ela, por sua vez, já estava de camisola quando a campainha tocou por volta das vinte e duas horas. Ouviu Sandra falando em tom alto e meloso: Amor, que saudade... e fez cara de nojo; odiava mulheres assim. Gostava de Leo por causa de seu jeito rude – adorava a rebeldia do amante. Ele a levava aos lugares mais inusitados para transarem, os menos românticos possíveis. Era um louco e ela apreciava a sua loucura. E pensava nele, quando ouviu Sandra batendo de leve em sua porta.
            – Laura? Ainda está acordada?
            Deu um muxoxo quase inaudível e disse em tom falsamente amável:
            – Estou, sim, senhora... já vou, só um minuto.
            Colocou um robe por cima da camisola e abriu a porta para a patroa que, sem a menor cerimônia e inesperadamente, fez seu esposo entrar no quarto da empregada. Werner Lutz era branco, de cabelos escuros e ligeiramente grisalhos, bem alto e bonito. Possuía o charme de um homem de quarenta e poucos anos e um sorriso ligeiramente cínico. Instintivamente, fechou mais o robe e sorriu para o patrão que a olhava intensamente. Werner parecia alheio à presença de sua indiferente esposa. Na verdade, parecia que Sandra fazia questão de aproximar os dois. Laura achava sua atitude estranha, mas manteve sua pose de moça comportada.
            – Laura, este é o meu marido, Werner...
            – Muito prazer, Sr. Werner – sorriu e estendeu a mão para cumprimentá-lo.
            O imponente homem cumprimentou-a e, rapidamente, fez uma carícia discreta com o polegar na mão delicada. Laura ficou apreensiva, com medo de que sua esposa tivesse percebido, pois ele não disfarçou muito o gesto. Contudo, a mulher não parecia ter visto ou então não se importou com aquilo.
            – Espero que você goste de trabalhar conosco – ele disse e cruzou os braços.
            Sandra permanecia ao seu lado e ambos olhavam para a funcionária, deixando-a pouco à vontade.
            – Eu também – respondeu com um sorrisinho amarelo. Que saco, será que posso ir dormir agora? – pensou.
            – Fique à vontade e seja muito bem-vinda – disse Werner em tom afável e Sandra o puxou pelo braço, sorrindo.
            – Bem, amor, acho que a Laura quer descansar agora, não é mesmo? Ela já está até de camisola.
            Laura teve que se conter para não xingar aquela mulher, pois parecia que jogava o marido para cima dela. Enganara-se quando fizera sua primeira avaliação de Sandra. Esta mulher, de dócil, não tinha nada.
            – Sem problemas, dona Sandra – respondeu secamente.
            Para seu alívio, os patrões saíram de seu quarto logo em seguida. Agora que estava sozinha, aquele seria o primeiro aposento a ser vasculhado. Não acreditava que houvesse qualquer coisa importante ali, mas vasculharia até os banheiros se fosse preciso. Quando fazia alguma coisa, fazia direito e se houvesse mesmo um cofre naquela residência, ela encontraria... com toda a certeza. Era uma mulher obstinada, jamais desistia do que queria; quando muito, às vezes, adiava um pouco seus planos, mas sempre retomava suas investidas. Talvez, por esta razão, colecionasse desventuras em sua vida. Não gostava de recuar, não mudava seus planos. Acreditava que o destino já estava traçado a partir de uma primeira ideia e que deveria se arriscar sempre. Quando se dava mal a culpa era dele, do destino... o problema era que raramente se dava bem e, por isto, passou a crer que sua sina fosse maligna, que seu destino fosse diabólico.